quinta-feira, 30 de abril de 2015

Amizade ou narcisismo? - Luisinha


Olá Alice,

A mais extraordinária particularidade do ser humano é, na minha opinião, a sua capacidade relacional. É através dos outros que tomamos consciência do Eu, que desenvolvemos a nossa essência, que acentuamos as nossas diferenças...

Também somos seres sociais, é verdade. Gostamos de viver em sociedade, de formar grupos, de sentir que pertencemos a algo/alguém. Contudo, eu situo o social num nível mais básico, mais superficial. O social envolve o contacto sem envolvimento emocional, sem troca. O relacional, para mim, implica reciprocidade.

Na vida precisamos destas duas dimensões e não se atinge o relacional sem se experimentar o social. As pessoas que passam pelas nossas vidas podem existir somente numa destas dimensões. Também percebi com os anos, que se atribuem diferentes valorações ao social e ao relacional e que todas são válidas.

O que a Alice desabafa, penso eu, tem a ver exatamente com isto e com as expectativas que se têm no relacionamento interpessoal. Há desencontros sempre que eu pretendo o relacional e o outro me situa no social, e vice-versa. O problema Alice é quando eu calo os meus desejos e permito que o outro me escolha como “contentor emocional”, quando eu quero mais e espero também algo em troca. Porque até as esponjas têm um limite de absorção, não é?

Amizade, amizade verdadeira, só cabe na esfera do relacional. Que espécie de amizade é esta na qual a pessoa que está à minha frente não consegue descentrar-se de si e das suas próprias necessidades? Valerá a pena a manutenção da unilateralidade deste contacto? Não será também responsabilidade minha mostrar que existo e que tenho direito a querer algo, a ditar direções?

Bem haja por me permitir continuar a pensar!

Luisinha

segunda-feira, 27 de abril de 2015

As lágrimas não são a única coisa que tens para dar


Há pessoas que são esponjas emocionais. Sem querer, quase sempre tropeçam em seres humanos dotados de angústias permanentes, de uma carga de dor incapacitante. Amigos que não conseguem sair desse ciclo de negatividade.
Há pessoas que acreditam que se deixarem de estar disponíveis para dar um bálsamo a esses seres humanos estarão a ser egoístas, a desistir de ajudar o próximo. Levam isso a um ponto de quase-missão e não abandonam, ainda que se fale na toxicidade desses seres humanos.
Essas pessoas absorvem esse lado mais frágil dos seres humanos com quem se relacionam e, efectivamente, podem ajudar a aliviar a carga. Mas chego à conclusão que é uma ajuda enviesada. É uma ajuda que não ajuda assim tanto porque não oferece a esses seres humanos a real dimensão do que é ser-se humano porque os concentra na sua dor sem os obrigar a transbordar outras emoções.
A real dimensão do que é ser-se humano não é apenas sombra, embora ela exista dentro de cada um de nós. Um dia, um amigo meu disse-me que lhe tinham dito isto: "quem não souber esconder a sua tristeza, não merece relacionar-se com os outros”. Esta frase é chocante. Perversa até. Ninguém tem de esconder a tristeza na relação com os outros. A questão é outra, mais profunda.
Quem não souber partilhar a sua tristeza e a sua alegria, talvez sim, tenha dificuldade em ter amigos verdadeiros. As esponjas emocionais são AMIGOS e não apenas contentores da negatividade se sentirem que os outros partilham também as suas alegrias. 
Ninguém é sempre triste, sempre melancólico, sempre negativo. Há momentos em que até a pessoa mais “negra” dá por si a apreciar um pássaro a chilrear e sorri. É nestas alturas – também – que deve partilhar com os amigos o que sente.
As esponjas emocionais, portanto, querem as emoções todas dos outros seres humanos para se sentirem também elas parte desses seres humanos de forma permanente e não apenas quando há nuvens muito negras dentro da cabeça desses amigos.
Ah e as esponjas emocionais também têm momentos de grande dor. Só que não fazem dos amigos meros contentores. Dizem-lhes, sobretudo, dos pássaros que lhes cruzaram o olhar. 
Isso sim é amizade.
Obrigada por me ouvires e chorares e rires comigo.

Alice Ramos

quinta-feira, 23 de abril de 2015

Vidas que não se apagam – Pensamentos da Maria


Alice,

Eu acredito que quanto mais pensamos, mais questões colocamos. Pensar acerca de nós é um exercício ousado que nos expõe perante as nossas incertezas e as nossas fragilidades.

Os períodos de vida emocionalmente mais intensos deixam sempre marcas. Tudo o que vivemos faz parte de nós, da nossa história e da pessoa que somos. Ultrapassamos crises, aprendemos com elas, mas o registo interior fica lá gravado. Aqui e ali, uma experiência negativa marcante pode ser reavivada na nossa memória e nem sempre percebemos porquê. Aprende-se a superar obstáculos, mas eles nunca são eliminados. Aprende-se a lidar com o medo exagerado, mas não se elimina esse medo.

À medida que os anos avançam, mais certa eu estou de que pensar é viciante! Tal como o receio das nossas fragilidades!...  Aprendi que não vale a pena negá-lo. Há que concentrar os nossos esforços na aceitação que temos uma história e que recordá-la não é o mesmo que recuar no tempo. É esta consciência que permite que a tempestade não derrube a bonança. “Mais uma vez, devagar...” e a pensar!

Maria



segunda-feira, 20 de abril de 2015

Um progresso com avanços e recuos – Alice


E depois da tempestade, a bonança é permanente?

Não é fácil todos os dias. A vida teima em nos colocar perante os nossos fantasmas, os nossos medos, como se uma força que nos ultrapassa nos puxasse para quem éramos, para quem não queremos ser mais. Um desafio. Como se uma presença maligna nos sussurrasse ao ouvido: a sério? Tens a certeza que já consegues? E se eu te mostrar um medo teu, daqueles gigantescos, agora? Como reages?

Nesses dias, nesses momentos, desfaleço ainda. Os planos que tinha feito ficam adiados, os pensamentos embrulham-se e parece outra vez retrocesso porque vamos mudando, sim mas há uma essência que permanece e que se relaciona com o nosso lado mais frágil. 

Parece retrocesso. Mas não é. Já não sou igual. Já não fico tão atormentada, já não me questiono tanto. Estabeleço um prazo interior de negatividade e consigo sair dele de forma mais ligeira que antes. Sou mais frontal a enfrentar as minhas fragilidades, talvez por as ter interiorizado. Por outro lado, ser-se capaz de caminhar sozinha não está isento de novos medos. E essa vozinha má que ainda oiço sabe disso. Agora o medo maior é o de não ter força para agir de acordo com aquilo que interiormente está definido. Chama-se, creio, síntese. Entre o que já sei sobre mim e a necessária acção para me realizar como ser humano. 

Mais uma vez, devagar, espero chegar lá. 


Alice Ramos

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Parabéns Alice! - O comentário da Sara


Alice,

Se fosse minha cliente no consultório, este seria o momento de deixá-la seguir por sua conta e risco!J Mas, nós não nos conhecemos pessoalmente e eu apenas tenho lido as suas intervenções neste espaço. Contudo, permita-me felicitá-la pela clareza e conhecimento que alcançou acerca de si e do funcionamento humano em geral. Já tem a sua chave!

A Alice descobriu a sua receita (pessoal): aceitou os seus tempos e necessidades, está consciente que existem fases na vida que são boas e outras que são más... e que nunca queremos as más, embora elas nos deem lições preciosas. É preciso tempo para curar as feridas e esse tempo é individual e interior “por muito bons familiares e amigos próximos” que se tenha. Há sempre passos que só podem ser dados pelo próprio... como quando se aprendeu a andar e a falar na primeira infância. Também estas conclusões a que chegou e que eu acabo de reforçar têm de sair de dentro para serem efetivas, pois a teoria externa, pois mais sentido que faça, nunca tem o mesmo valor do que a aprendizagem pela experiência.

O coração ensina a sair da dor” mas só quando aprendemos a amar-nos, quando aprendemos a aceitar as nossas imperfeições e quando temos a coragem para lutar... “Step by step”.

PARABÉNS Alice!

Sara