quinta-feira, 26 de março de 2015

Protagonismo ou reconhecimento? – A experiência da Carolina


Alice,

Concordo inteiramente consigo! Parece que na nossa sociedade só há espaço para o estrelato! Tudo o que se faz tem de ser público e empolado para dar um ar de grandiosidade. Parece que o valor está no impacto exterior, na tal projeção que se tem de dar...

Vivo esse drama na primeira pessoa. Sou expatriada e tenho experimentado os desafios de conquistar um lugar nos círculos por onde vou passando. Tenho verificado que aquele que chega e que atrai as atenções para si e para as suas “fabulosas aventuras pelo mundo”, rapidamente se integra e tem um grupo de “amigos para a vida” que durará, na maior parte das vezes, enquanto estiverem todos a viver na mesma cidade... São os tais amigos líquidos, descartáveis de que falava na semana passada! Por outro lado, quem opta pela descrição e aposta na descoberta de pessoas para um relacionamento mais profundo, pode passar por um local e permanecer (quase) invisível durante toda a sua estadia. Qual será a postura que trará mais felicidade? Em qual das situações a pessoa se sentirá mais realizada enquanto ser humano?

O que eu acho é que devemos procurar o tal equilíbrio, tão difícil de definir. Não podemos viver isolados porque precisamos do outro para construir a nossa identidade. Podemos ser muito autênticos, cheios de valor, mas tristes e infelizes pela falta de reconhecimento de alguém. Precisamos de reconhecimento para existir! Não podemos é apenas existir por isso... Viver para ser reconhecido resulta na tal procura incessante por protagonismo. Não podemos viver exclusivamente para fora, pois criamos um vazio falsamente preenchido com outras identidades, deixando a nossa por construir. Ficamos reféns da visibilidade para existir, pois protagonismo, em meu entender, nunca gera reconhecimento.


Um abraço,
Carolina


terça-feira, 24 de março de 2015

O protagonismo: Alice Ramos


Tenho conversado sobre este assunto de forma recorrente nos últimos dias. Parece ser que se não formos vistos, não acontecemos. O mundo obriga à visibilidade. Como se estivéssemos mortos quando ninguém nos vê brilhar. Concordas?

Eu não. O protagonismo pode ser a maior rasteira de um ego que procura fora o que não encontra dentro. O protagonismo não tem relação directa com o valor. E o reconhecimento do valor não exige protagonismo. Embora, claro que aceito, todos os que têm valor pareçam transparentes se conviverem bem com a falta de protagonismo.

O que falta é abdicar de um mundo em que parecemos todos viciados na projecção de quem somos para resgatar (ou reconhecer) um valor que sabemos ter, que é intrínseco e único a cada ser humano.

Teremos que nos deixar " morrer " para sentir a beleza do nosso valor. Mesmo sabendo que ninguém estará a assistir. Ou sobretudo por isso mesmo?

"Quando vivemos para sermos vistos, falseamos a verdade profunda para a qual a nossa vida deve tender." José Tolentino Mendonça in O Tesouro Escondido


Alice Ramos

quinta-feira, 19 de março de 2015

Tempos líquidos ou conceitos plurais? – Os argumentos da Mafalda



Alice,
A leitura do seu texto tocou-me num ponto nevrálgico!

Cresci num ambiente de mudança. Precisei de fazer amigos rapidamente para me integrar mesmo sabendo que, algum tempo depois, assim como tinha chegado, teria de deixar aquelas pessoas e lugares e reiniciar tudo de novo. Ainda não havia internet e as comunicações internacionais eram caríssimas, pelo que o contacto com os amigos que ficavam para trás era bastante irregular. Trocávamos cartas e, se as nossas famílias fossem próximas, por vezes, conseguíamos conciliar pequenas férias em conjunto. Era um mundo rápido com brutais oscilações nas amizades: a transformação de sólido em líquido era constante... Contudo, posso-lhe dizer que ainda hoje algumas dessas pessoas são minhas amigas, amigas reais. São amigas à distância, mas que me conhecem como poucos e a quem eu me revelo sem disfarces. E sabe porquê? Porque o pouco tempo que temos não nos permite divagações nem desperdícios...

Acredito que o estilo de vida que levamos condiciona as relações que estabelecemos com as outras pessoas e, a pouco e pouco, vai influenciando os padrões de comportamento que assumimos. Talvez por causa da minha experiência de vida, eu tenha muita dificuldade em defender posições como a de Bauman. É verdade que algumas pessoas parecem “fazer e desfazer amizades” com excessiva rapidez e facilidade. Mas, também é verdade que, se procurarmos bem, deverá existir um contexto que o justifique. O que eu quero dizer, é que se calhar o conceito de amizade difere de pessoa para pessoa, varia consoante a fase da vida em que está, os contextos em que se movimenta. Acerca desse jovem que tem 5000 amigos, pode acontecer que ele precise de juntar sob a mesma designação amigos, conhecidos e amigos dos amigos... Seria interessante voltar a conversar com ele daqui a uns anos...

Mais do que nas argumentações intelectuais, no que eu acredito, é que temos de estar atentos a nós próprios, pararmos e questionarmo-nos de quando em vez:
- Sinto-me bem com as relações que tenho?
- Consigo criar laços reais com as pessoas que me tocam?
            - Estou em sintonia com as pessoas que são importantes para mim?

Uma vida acelerada com a que temos hoje em dia, facilitada pela acessibilidade nos contactos e das redes sociais, pode criar-nos a ilusão de estarmos rodeados de muitos amigos permanentemente... alguns, amigos líquidos, outros nem tanto...


Até à próxima,

Mafalda

terça-feira, 17 de março de 2015

Os tempos líquidos


Zigmunt Bauman é um sociólogo que se debruça, para além de outros temas, num que me é caro. A questão da volatilidade com que vivemos as relações humanas. Numa entrevista ele desenvolve a impermanência dos laços. As pessoas têm imensos "amigos", quase sempre sem que os vivam realmente na pele e é com facilidade que se encantam. E com a mesma facilidade se desencantam. À distância de um click se fazem e desfazem amizades porque a liquidez dos tempos permite adicionar e eliminar amigos. Como se estivéssemos no supermercado e a euforia do consumo nos impingisse um carrinho cheio mas, antes de chegarmos à caixa para pagar, nos debatêssemos com a realidade. Começamos a despejar nas prateleiras o que antes achámos que nos fazia (supostamente) falta. O ser humano enquanto consumível. Descartável.

Bauman refere uma conversa que tem com um jovem que lhe diz que tem 5000 amigos. E ele responde-lhe que o conceito de amigo para ele é completamente diferente daquele a que nos habituámos, nós, os dos tempos líquidos. Bauman tem poucos amigos no alto dos seus quase 90 anos. E não acredita no jovem dos 5000 amigos.

Será possível fazer parte desse mundo rápido e liquido, com as pessoas a escorregarem-nos entre os dedos e, simultaneamente, construir laços reais com as pessoas que nos tocam?

Alice Ramos



quinta-feira, 12 de março de 2015

Deus, Psicologia e Arte: a perspectiva da Sara


Alice,

Eu também acredito em Deus. Um Deus muito próprio, muito meu, talhado ao meu jeito e a partir das minhas experiências e necessidades. Confesso que me incomoda pensar que tenho uma relação imperfeita e um tanto egoísta com Ele. Recebo muito mais do que dou, procuro-O consciente e propositadamente mais nos momentos de aflição ou de exaltação.

Será que Deus vive realmente em mim? Quero acreditar que sim. O que são aqueles gestos de ajuda sincera ao Outro? O que é aquela vontade consciente de ser correta e de mostrar respeito ao Outro? O que é aquele esforço de não julgar o próximo, de tentar perceber e justificar os motivos das suas falhas?

O meu Deus revela-se nesta forma de estar, que mais do que um projeto de vida, encarna a minha concepção do que é a vida.

Em que se distingue da Psicologia? Nesta minha perspetiva, em tudo! Eu entendo a Psicologia como uma ciência praticada por profissionais que têm de ser também artistas. Para mim, o psicólogo é o artista que consegue aplicar os conhecimentos científicos emanados da Psicologia e que facilita o processo de crescimento interior do outro, de descoberta de si. Para mim, os factos da Psicologia são a ciência que todos aprendem na formação académica. O exercício diário dessa ciência, para mim, exige também uma grande dose de arte -  a arte de “conseguir que funcione”. O resultado da aplicação da Psicologia é semelhante ao que refere a Alice em relação ao seu Deus. Talvez por isso compare os bons psicólogos com pequenos anjos, ajudantes de Deus. O equilíbrio e o bem-estar alcançado com a terapia é a tal cura que a Alice ainda só experimentou através do seu Deus... porque ainda não se cruzou com nenhum psicólogo que também seja artista...

Já agora, um “pequeno” esclarecimento: eu sou psicóloga J só não sei é se sou artista...

Um beijinho,

Sara