quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

As recordações dolorosas da Maria


Minha cara Alice,

Não consigo esconder a emoção que o seu texto me provocou! As lembranças que me despertou! Assistir à doença, à doença grave, dos que nos são queridos é indescritivelmente doloroso. Não há palavras para comentar essas experiências...

Eu vivi por duas vezes o pesadelo do cancro em pessoas da minha família: um avô que era meu pai e a minha mãe. Doença do corpo em mente lúcida. Doença com um peso brutal que deixa marcas para sempre... Doença que provoca dor – física e mental. Porque a lucidez da mente também dói. E muito. Ao próprio (por si e pelos que ama) e aos que assistem ao desenrolar do processo num misto de esperança e de impotência.

O meu trauma é a doença do corpo. Por isso, nunca pensei seriamente no drama da doença da mente. Mas só pode ser igualmente doloroso. Uma mente que se esvazia de conteúdos!... A Razão é o que o ser humano tem de mais particular e distinto! Como deve ser brutal a consciência da perda irreversível da nossa essência! Sim, porque no processo de degradação mental, as memórias de quem se foi não desaparecem de um dia para o outro! Como devem ser violentos os confrontos internos com o que está a acontecer!... Na doença da mente a lucidez vai-se apagando... e com ela o sofrimento da consciência. Mas, e para os familiares que amam? Para eles, a escuridão da mente continua a magoar. Na miséria de um corpo sem alma, ficam as recordações permanentes da pessoa brilhante e especial de outrora. Sim, aqueles que amamos foram/são sempre brilhantes e especiais...

As famílias sofrem sempre: por amor, por gratidão, pela impotência de nada conseguir fazer para travar a decadência, pelas memórias do passado, pelo comprometimento do futuro...

O Amor é o que fica para além da dor. Ainda bem que “teimamos em viver como se fossemos eternos”...

Maria


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