terça-feira, 19 de maio de 2015

Uma carta à minha avó: Alice Ramos



Minha querida avó, não morras. 

Preciso da tua capacidade de me adivinhar a verdade para lá do sorriso que te dou. Tu sabes sempre dentro de ti quando não estou assim tão bem como parece. 

Todos precisamos dessa intuição na família. E insistes em falar da tua morte, do dinheiro para o teu funeral, do coração que umas vezes te bate com demasiada intensidade e que não sabes se é um sinal de aproximação desse dia. Que não aceito que esteja para chegar. 

Fazemos assim: estás longe e quase sempre me escondem como te sentes para não me martirizar. Já sei como é. Só sei que estás internada se ligar duas vezes seguidas e não me atenderes. Aí as tuas queridas filhas começam a inventar desculpas. Então fazemos assim: não me mentes. Mas avisas-me se o coração em vez de bater muito, começar a bater pouco. Enquanto bate muito é essa tua força a dizer que ainda queres estar cá entre nós, que o avô pode esperar mais um pouco. Ai de ti que não me avises. E pára de viver só para os nossos problemas. Sabes que também temos alegrias? Sabes que tens uma família com discussões tipicamente mediterrâneas mas cheia de amor entre si? Sabes que as tuas filhas, netas e bisnetos - todos - conseguem sorrir apesar das adversidades? Sabes, sim. E recusas partilhar a nossa alegria quase sempre porque te debates com os nossos problemas. Aqueles que não te contamos mas que tu desvendas mesmo sem saberes ler nem escrever devidamente. 

Por isso avó, alegra-te quando eu te visitar de surpresa e não desates a chorar porque eu devia ter-te dito que ia, porque não tens frangos dos teus na arca para eu trazer e que nem ovos nem batatas nem cebolas nem não sei mais o quê que me dás e que é tão bom. Para além dos teus abraços. 


Alice

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