Os dilemas da Carolina (páginas do livro)
Estamos de férias, nas nossas tão
desejadas férias no nosso país, na nossa terra. Felizmente temos conseguido vir
ao Brasil todos os anos desde a altura em que mergulhámos na aventura além-fronteiras...
É tão bom regressar!... Sinto que venho
carregar baterias, buscar inspiração para no “retorno” enfrentar os inúmeros desafios da minha vida de nómada. Voltar
a ver os familiares, os lugares por onde andámos tantos anos, comprar os
produtos tão próprios do nosso país e que têm um outro sabor e uma outra
aparência no seu contexto real!... Passo o ano a sonhar com estes dias de
regresso às origens, quando posso ser eu sem qualquer constrangimento, onde não
tenho receio de procurar o que desconheço, onde posso falar de impulso sem
receio de errar... Volto a sentir-me 100% confiante nestas visitas a casa!
Casa?... Será ainda, casa?... Onde é que
nós pertencemos, afinal?... Onde é que é a nossa casa? Conseguiremos os 5
membros da família designar o mesmo lugar como “casa”? Após estes anos todos a viver fora do Brasil, com experiências
em tantos países diferentes, onde é que nós pertencemos? Qual o verdadeiro peso
da cidadania na nossa identificação subjetiva?...
Para ser sincera, adoro voltar, anseio por
esta sensação de confiança e de segurança que me invade sempre que piso o meu
país. Sou brasileira, sem dúvida! De alma e coração!... Mas, a minha casa, não
é mais aqui... Sou uma brasileira, estrangeira, a visitar a sua terra. Venho de
férias ao meu país, estou de fugida. Mas, já não sou de cá... Amo demais
voltar, contudo, fico contente por saber que tenho outro lugar à minha espera. Fico
tranquila, secretamente feliz, por partir para a minha zona de conforto... que
é outra e está em constante mudança... e, isso, é muito estranho, muito difícil
de assumir... A minha casa é o lugar onde vivo a maior parte do ano com o meu
marido e os meus filhos. A minha casa é onde eu vivo o dia a dia, com as
alegrias e as tristezas comuns a todas as existências. Sim, a minha casa é onde
eu tenho a minha vida como um todo... seja ela em que parte do mundo for.
Aquela sensação de calma e de tranquilidade, de conforto e familiaridade eu
sinto na casa onde eu habito... bem longe daqui!...
Que sábia é a vida! Quantos “ensinamentos”! E quantas voltas eu dei
para perceber isto!... O lugar já não é importante. Deixa de o ser no momento
em que iniciamos o esforço de adaptação a novas culturas, a novos lugares, a
novas formas de estar. Mudámos todos e deixa de haver “volta atrás” porque mesmo se voltarmos um dia a viver no Brasil,
nós temos uma experiência acumulada que nos torna diferentes dos que nunca
saíram e que não podemos nem conseguimos apagar. Se voltarmos temos de fazer
também aqui um novo esforço de adaptação, quem sabe se até mais esquisito e
difícil... Viver a louca aventura da expatriação, em mais do que um país,
obriga a família a abrir-se ao exterior, mas também, em simultâneo, a fechar-se
numa concha protetora da sua identidade tão peculiar. A casa já não é um espaço
físico, pois esse está sempre a mudar; a casa somos nós, as pessoas, os que permanecem.
E esta casa pertence agora ao mundo, já nem num país com a grandeza do Brasil
cabe mais... As fronteiras perderam a importância...
Esta revelação tem que ficar bem guardada:
como iriam entender os meus familiares e amigos de sempre? Como perdoar esta “traição”?... Como compreender que eu já
não tenho espaço aqui, que todos seguiram com as suas vidas e que, também eu ao
voltar, os sinto diferentes e mais distantes?... Eu percebo isso e aceito-o com
naturalidade. Continuo a guardar todos num cantinho bem precioso do meu coração,
sem os substituir... somente alargando horizontes. Eles são as minhas origens,
os meus alicerces. Só que continuei a crescer, a somar pilares. E eles, o que
farão comigo? Haverá reciprocidade neste sentir?...
Carolina
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