quinta-feira, 17 de julho de 2014

APRENDENDO A CRIAR LAÇOS, by Mafalda


Imagens do livro Dilemas Femininos, publicado pela Chiado Editora (2014)





Sinto um peso enorme na cabeça, os olhos teimam em fechar... Acumulo noites mal dormidas, com muitas interrupções do sono. O Rodrigo anda a dar sinais e nem sei bem como os interpretar. Tempos ouve em que nada disto me consumia, em que nem sequer percebia se os meus filhos tinham algum tipo de dificuldade – o meu chip estava completamente programado para outra direção.


Agora tudo é diferente e estranho. Sinto-me a dar os primeiros passos na aventura da maternidade e com dois filhos já crescidos. Foi preciso dar uns quantos tropeções, um deles com o pomposo nome de divórcio, para reorientar a minha vida e repensar as minhas escolhas. Ser mãe é simultaneamente delicioso e assustador! Começo a criar laços, a interagir mais e com alguma entrega emocional aos meus filhos. Vou devagar eu sei, mas este é o ritmo a que consigo caminhar. Criei uma agenda pessoal com horas destinadas exclusivamente a eles. Tive de o fazer, caso contrário, surgiriam sempre urgências inadiáveis no trabalho e era eu quem as teria de resolver. Foi assim no início: planeava, mas nunca concretizava. Havia sempre algo a desviar-me das minhas intenções. O maior imprevisto era o medo... da entrega, do desconhecido, das emoções, de entrar em terreno totalmente novo e sem me sentir preparada para o enfrentar.

Vale a pena? Sinto-me mais satisfeita com o meu novo “eu”? Tem dias, depende dos momentos... Valer, sim, vale. Sinto enormes dificuldades, tenho muito medo de errar, sinto-me completamente impreparada e o peso da responsabilidade pelo destino destes dois seres é gigante. Mas vale a pena. Cada dia que passa vale mais um bocadinho. Aprendo, entre apertos no coração e insónias noturnas, a sentir-me plena com um simples toque ou um sorriso sincero. As crianças são tão simples! Descubro que a felicidade são momentos, pequenas coisas... todas elas singelas e omissas nos livros sobre parentalidade (ou pelo menos, naqueles que eu fervorosamente li quando me decidi ser mãe de verdade). Fiz terapia, andei confusa anos e anos a fio, sempre insatisfeita. Curiosamente, encontro-me mais serena agora que saí da minha zona de conforto (que de conforto nada tinha e eu nem percebia!). Como somos seres estranhos: na minha área forte não era feliz e nem me sentia realizada; num campo novo, desconhecido, evitado por medo e algum egoísmo encontro finalmente Paz, Tranquilidade, Completude. Foram os meus filhos, estes pequenos rapazotes que tanto precisam de mim, foram eles que me ensinaram a parar, observar, deixar-me ir e sorrir... com tudo e por nada. Aprendi que a felicidade vai e vem, vem e vai, num ciclo sem dia nem hora marcada, surge do imprevisto, da imperfeição.

Há dias complicados. Hoje é um deles. Tenho tantos. Ando com a cabeça às voltas e apetecia-me fugir por umas horas para o “antigo planeta da Mafalda”. No trabalho sei que sou bem sucedida. Tenho poucas dúvidas, facilmente esbarro no sucesso, sinto-me segura e poderosa. Sei qual é o caminho e consigo prever os resultados. E as emoções não atrapalham... ficam guardadas numa caixinha onde não fazem mossa. É tão fácil fingir, refugiar-me. É tudo oco e também fugidio, mas não sinto medo. Não me sinto completa, mas também não tenho de enfrentar o medo e as dúvidas. Viver com as nossas emoções custa, é ambíguo, dá trabalho...

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